segunda-feira, 28 de março de 2011

Os protagonistas da PEC 300


Capitão Assumção

Lendo em CongressoEmFoco um artigo do nobre deputado Alfredo Sirkis sobre a PEC 300 notei alguns detalhes descritos na nota que não fizeram parte da heróica trajetória da PEC 300. Achei interessante relatar os passos que foram dados pelos atores principais, policiais e bombeiros, que tornaram a proposta tema recorrente nas principais mídias do país . Tiraram leite de pedra. Por que nessa luta (que não foi eleitoral), o governo federal não foi protagonista. Pelo contrário, atrapalhou por deveras. Em primeiro plano, o governo nunca se mostrou afável à PEC 300.

Fazendo um “mini flashback”, relembro que em seu texto original, formulado pelo subtenente Clóvis Oliveira, da PM paulista e, apresentado na Câmara dos Deputados pelo deputado Arnaldo Faria de Sá, a proposta discorria sobre igualdade salarial. Ou seja, rezava o texto desenhado pelas mãos do suboficial da PMESP que todos os policiais e bombeiros militares deveriam ter a sua remuneração baseada nos proventos dos profissionais da PMDF, nunca sendo inferior.

Essa talvez tenha sido a primeira grande barreira à proposta que começou a tramitar em 4 de novembro de 2008 na Câmara dos Deputados. A proposta foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) no dia 7 de abril de 2009, sem alteração do seu texto, tendo como relator e grande defensor o deputado Mendonça Prado. A batalha travada pela internet junto aos profissionais da segurança pública, com essa vitória na CCJC, foi amplificada. As caixas de e-mail dos parlamentares ficaram abarrotadas com pedidos para que os deputados cobrassem do então Presidente da Câmara, deputado Michel Temer, o início dos trabalhos na Comissão Especial, que regimentalmente teria um prazo de 40 sessões ordinárias. Diante dessa pressão, Temer dá início aos trabalhos da Comissão Especial no dia 13 de maio. E nessa mesma data foram programadas as famosas marchas e audiências públicas denominadas “PEC 300 EU ACREDITO” em todos os estados. A primeira aconteceu em Campina Grande, Paraíba.

Com o compromisso do primeiro vice-presidente, deputado Paes de Lira e do relator da PEC 300, deputado Major Fábio, de que não haveria protelações, no dia 25 de novembro de 2009, encerrava-se o trabalho dos parlamentares imbuídos de subsidiar a PEC 300 quanto ao mérito. Permaneceu o texto original do relator na CCJC, deputado Mendonça Prado e acrescentou-se um valor nominal para o teto mínimo do soldado e do tenente. Mesmo com forte mobilização oriunda das marchas populares nos estados, o governo conseguiu adiar para o ano de 2010 a votação do texto aprovado na Comissão Especial da PEC 300.

O ano de 2010 começou movimentado haja vista que além da internet, os policiais se mobilizaram em caravanas e bateram às portas da Câmara com receio de que a PEC 300 fosse protelada “ad eternum”.
Finalmente, no dia 2 de março de 2010, diante de uma grande marcha de bombeiros e policiais de todo o Brasil, que culminou em uma paralisação por mais de 10 horas da principal via de acesso ao Distrito Federal, o Presidente da Câmara foi colocado na parede ante a ameaça de os profissionais da segurança pública de todo o Brasil permanecerem impedindo a circulação de veículos por tempo indeterminado. O receio maior era de que a visita no dia seguinte (3) da Secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, acontecesse sob forte onda de protestos dos bombeiros e policiais que ameaçaram acampar em frente ao Ministério das Relações Exteriores.

Não restou outra saída. Temer recebeu o aval do governo para que se votasse a PEC 300, diante da iminência de um possível conflito armado entre a PMDF e os manifestantes, justamente às vésperas da visita de Hillary. Na noite de terça (2 de março), 393 deputados aprovaram em primeiro turno a PEC 300 com as intervenções textuais que começaram a ser costumeiras do líder do governo à época, deputado Cândido Vaccarezza. A tão almejada igualdade salarial ia para o espaço, mas permaneciam os dois pisos nominais aprovados na Comissão Especial (R$ 3.500,00 e R$ 7.000,00), que seriam colocados nas disposições transitórias da Carta Magna após promulgada a emenda.

Desde a conclusão dos trabalhos na Comissão Especial que caravanas de policiais e bombeiros de todo o Brasil começaram a bater o ponto em Brasília, sempre às terças e quartas, dias de votação na Câmara. Num desses encontros, no dia 19 de maio de 2010, Temer foi pressionado a votar a conclusão da PEC 300 em primeiro turno na semana seguinte, pois até aquele momento, haviam quatro destaques, colocados estrategicamente pelo governo, por intermédio Do líder do PT, deputado Fernando Ferro, para inviabilizar por completo o piso dos bombeiros e policiais.

No dia 25 de maio a matéria entraria em pauta mas o governo entrou de sola, por ação de Vaccareza. No dia seguinte, diante das galerias lotadas, veio outra decepção, com Temer protelando mais uma vez. Durante a tarde de quarta (26), lideranças de policiais e bombeiros chegaram a se reunir com o líder do governo, deputado Vaccareza, que saiu pela tangente ao argumentar que o quorum estava baixo para se votar o piso em sessão extraordinária. Naquele encontro, o deputado protelador já ensaiava como iria ficar o desenho final da PEC 300: sem valor nominal e prazo de 180 dias para o governo apresentar em forma de Projeto de Lei o piso salarial.

Quatro meses depois, no dia 06 de julho de 2010, após a primeira votação da PEC 300, a proposta, totalmente alterada pelo governo, era aprovada mais uma vez, agora por 349 votos. O texto aprovado, com o DNA do governo, descreve piso salarial e fundo compensatório aos estados a ser estabelecido por lei complementar com prazo de apresentação de até 180 dias depois que a emenda for promulgada pelo Congresso Nacional.

Das movimentações legítimas que se seguiram para sensibilizar a classe política de se concluir a PEC 300 na Câmara, a mais vultosa aconteceu no dia 17 de agosto de 2010. Policiais, bombeiros e agentes penitenciários marcharam incansáveis até o DF, sob promessa, tanto do líder do governo, quanto do deputado Michel Temer de que a PEC 300 e a PEC 308 (Polícia Penal) seriam votadas no “esforço concentrado”. Uma em segundo turno e a outra em primeiro turno. Diante da pressão de muitos deputados que acusavam o líder do governo de usar a PEC 300 como mote para levar os parlamentares até a Câmara, em plena campanha eleitoral, e obrigá-los a votar medidas provisórias de interesse do governo, mais uma vez a matéria não foi votada. Orquestração do “rolo compressor”, deputado Vaccareza, sobre Temer, tudo a mando do Governo. Ao saberem que o Presidente da Câmara encerrara a Sessão no primeiro dia de “esforço concentrado” os trabalhadores da segurança pública alcançaram o Salão Verde da Câmara e pernoitaram ali, com o intuito de pressionar Temer a retomar os trabalhos no dia 18 (quarta). Temer e Vaccarezza, além de não cederem, acusaram justamente essa suposta invasão de ter sido a causadora do encerramento dos trabalhos, quando tal ocupação só aconteceu depois do encerramento da sessão.

Com o fim das eleições de 2010, Temer, vice-presidente da república eleito, começou a se eximir da sua condição de Presidente da Câmara e a fugir do compromisso assumido de concluir o 2º turno da PEC 300, ao mesmo tempo em que Vaccarezza e alguns ministros do governo, começaram a disseminar que, diante de um novo governo, PEC 300 deveria ser concluída em 2011, com o novo Congresso. Concomitantemente, a equipe de transição do governo Dilma, sob a batuta de Paulo Bernardo (ministro do Planejamento), Alexandre Padilha (ministro das Relações Institucionais) e do próprio deputado Cândido Vaccarezza, deu início a um discurso de terrorismo junto a alguns governadores, apregoando que a PEC 300 quebraria as finanças dos estados, quando, pela aplicação da PEC 300, aconteceria justamente o contrário.

Para os deputados que concluíam a 53ª legislatura, o líder do governo e determinados líderes ligados à base governista, setores ligados à oposição e alguns deputados do partido do líder Vaccarezza começaram, em bloco, a se dividir na tribuna da Câmara e a proferir discursos no sentido de que PEC 300, naquele ínterim, era inadequado, que o tema carecia de um debate mais profundo sobre segurança pública. Dessa forma, findou-se o ano de 2010 e as estratégias do governo deram certo. A votação em segundo turno não aconteceu. A protelação ensaiada inicialmente pelo líder Vaccarezza tinha dado resultado.

Para o arremate final, do pacote de maldades do governo e pelas mãos de Vaccarezza, saiu um golpe rasteiro. Ficou estabelecido, no apagar das luzes de 2010, que a proposta só entraria em pauta novamente após conclusão de uma nova comissão especial para se analisar PEC 300 “num contexto mais amplo de segurança pública”. Em outras palavras, o governo outra vez se utilizou de mais um instrumento protelatório (que não consta no Regimento Interno) para arriscar aposentar de vez a PEC da dignidade. Em nenhum momento o governo se mostrou interessado em PEC 300. Segurança pública não está entre as temáticas principais do governo. Pelo andar da carruagem tomara que não esteja entre as últimas.

Em referência ao artigo do deputado Sirkis, que, aliás, é mais um soldado em defesa da PEC 300, a proposta não é uma “abordagem meramente corporativa”. Há décadas e décadas que os nobres trabalhadores da segurança pública carregam a segurança nos ombros diante do pouco caso dos governos estaduais e federal. O que está sendo proposto é uma valorização dos garantidores da liberdade dos cidadãos brasileiros. Não se deseja nada a mais nem a menos.

Mais de dois trilhões de reais é quanto o governo administra por ano em orçamento e não quer dar a contrapartida necessária para o mecanismo chamado segurança pública começar a funcionar. Meio por cento dessa dinheirada é o valor da complementação salarial dos nossos heróis. Um pingo no oceano. O que será necessário fazer para que o governo deixe a protelação de lado e encare como um grande investimento a criação do piso salarial nacional dos bombeiros e policiais? Fica a pergunta no ar.